Andava com mania de suicídio e com crises de depressão
aguda; não suportava ajuntamentos perto de mim e, acima de tudo, não tolerava
entrar em fila comprida pra esperar seja lá o que fosse. E é nisso que toda a
sociedade está se transformando: em longas filas à espera de alguma coisa.
Tentei me matar com gás e não consegui. Mas tinha outro problema. Levantar da
cama. Sempre tive ódio disso. Vivia afirmando: "as duas maiores invenções
da humanidade foram a cama e a bomba atômica; não saindo da primeira, a gente
se salva, e, soltando a segunda, se acaba com tudo". Acharam que estava
louco. Brincadeira de criança, é só disso que essa gente entende: brincadeira
de criança - passam da placenta pro túmulo sem nem se abalar com este horror
que é a vida.
Sim, eu odiava ter que me levantar da cama de manhã.
Significava que a vida ia recomeçar e depois que se passa a noite inteira
dormindo cria-se uma espécie de intimidade especial que fica muito mais dificíl
de abrir mão. Sempre fui solitário. Você vai me desculpar, creio que não regulo
bem da cabeça, mas a verdade é que, se não fosse por uma que outra trepadinha
legal, não me faria a mínima diferença se todas as pessoas do mundo morressem.
É, eu sei que isso não é uma atitude simpática. Mas ficaria todo refestelado
aqui dentro do meu caracol. Afinal de contas, foram essas pessoas que me
tornaram infeliz.
Charles Bukowski
Você vai fazer isso porque gosta de mim, mas também porque é
mais um que não tolera a tristeza: nem a minha, nem a sua, nem a de ninguém.
Tristeza é considerada uma anomalia do humor, uma doença contagiosa, que é
melhor eliminar desde o primeiro sintoma. Não sorriu hoje? Medicamento. Sentiu
uma vontade de chorar à toa? Gravíssimo, telefone já para o seu psiquiatra.
A verdade é que eu não acordei triste hoje, nem mesmo com
uma suave melancolia, está tudo normal. Mas quando fico triste, também está
tudo normal. Porque ficar triste é comum, é um sentimento tão legítimo quanto a
alegria, é um registro de nossa sensibilidade, que ora gargalha em grupo, ora
busca o silêncio e a solidão. Estar triste não é estar deprimido.
Depressão é coisa muito séria, contínua e complexa. Estar
triste é estar atento a si próprio, é estar desapontado com alguém, com vários
ou consigo mesmo, é estar um pouco cansado de certas repetições, é descobrir-se
frágil num dia qualquer, sem uma razão aparente – as razões têm essa mania de
serem discretas.
“Eu não sei o que meu corpo abriga/ nestas noites quentes de
verão/ e não me importa que mil raios partam/ qualquer sentido vago da razão/
eu ando tão down...” Lembra da música? Cazuza ainda dizia, lá no meio dos
versos, que pega mal sofrer. Pois é, pega mal. Melhor sair pra balada, melhor
forçar um sorriso, melhor dizer que está tudo bem, melhor desamarrar a cara.
“Não quero te ver triste assim”, sussurrava Roberto Carlos em meio a outra
música. Todos cantam a tristeza, mas poucos a enfrentam de fato. Os esforços
não são para compreendê-la, e sim para disfarçá-la, sufocá-la, ela que,
humilde, só quer usufruir do seu direito de existir, de assegurar seu espaço
nesta sociedade que exalta apenas o oba-oba e a verborragia, e que desconfia de
quem está calado demais. Claro que é melhor ser alegre que ser triste (agora é
Vinícius), mas melhor mesmo é ninguém privar você de sentir o que for. Em
tempo: na maioria das vezes, é a gente mesmo que não se permite estar alguns
degraus abaixo da euforia.
Tem dias que não estamos pra samba, pra rock, pra hip-hop, e
nem pra isso devemos buscar pílulas mágicas para camuflar nossa introspecção,
nem aceitar convites para festas em que nada temos para brindar. Que nos deixem
quietos, que quietude é armazenamento de força e sabedoria, daqui a pouco a
gente volta, a gente sempre volta, anunciando o fim de mais uma dor – até que
venha a próxima, normais que somos.
Martha Medeiros
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